Uma carta à Fanbase

O texto a seguir não é direcionado a todos os fãs da franquia e reflete um pensamento pessoal de um membro da Casa do Carvalho. De antemão, a intenção do vídeo é incentivar o senso crítico, e não ofender as pessoas.
No mais, fiquem com a minha carta à fanbase de Pokémon.

Quem me conhece sabe que eu sou um cara muito tranquilo, eu raramente fico puto com coisas, mas algumas atitudes me cansam e este é o caso, de uma atitude que aconteceu com parte da fanbase.

Em recente entrevista ao site da Pokémon, Masuda fez algumas declarações sobre sair da direção dos jogos e eu notei algumas coisas peculiares. Uma parte da fanbase está feliz com isso, com alguns até tirando chacota do cara. Então eu resolvi fazer esse texto, para comentar um pouco sobre isso tudo.

Honestamente, eu tenho uma decepção profunda pela linha de raciocínio pífia que estas pessoas tem, em diversos níveis. Em parte, fico triste também por alguns sites de notícia brasileiros da franquia que não se esforçam em passar uma mensagem tão clara sobre o significado do que foi dito na entrevista. E alguns ainda botam banca de “jornalistas”. Mas, vamos lá.

Neste texto eu vou te explicar que olhar para o Masuda como diretor dos jogos de Pokémon é a coisa mais estúpida que você, eu ou qualquer pessoa poderia fazer. Se você é uma dessas pessoas que fala “já era hora“, “finalmente, já vai tarde” ou algo do tipo, esse texto é especialmente para você. Mas se você não é parte dessa parcela, peço que leia até o final também, pois é possível tirar informações interessantes.

Primeiro de tudo é importante saber algum contexto. A franquia começou lá atrás com Red/Green, desenvolvido entre 1990 e 1996 por um grupo de aproximadamente 20 a 30 pessoas. Dentre eles, Satoshi Tajiri dirigia e participava de vários setores do desenvolvimento e Junichi Masuda era Programador e o único Sound Designer dos jogos. Aliás, Masuda trabalha com músicas da franquia até hoje. Desde Ruby/Sapphire, Masuda passou a dirigir alguns dos jogos principais da franquia. Pois é, ele não dirigiu todos. Masuda dirigiu apenas 6 dos 17 lançamentos Main Series da franquia. .

Numa breve recapitulação temos RGB, Y, GS, C, RS, E, FRLG, DP, Pt, HGSS, BW, B2W2, XY, ORAS, SM, USUM e LGPE – isso é, se contar RGB como um só lançamento.

Mas na real? Tirando Let’s Go – que ainda não saiu -, ele dirigiu Ruby/Sapphire, FireRed/LeafGreen, Diamond/Pearl, Black/White e X/Y. É pouco, se comparar os 22 anos de franquia. Além disso, o cargo não é monopolizado, uma vez que nenhuma versão definitiva foi dirigida por ele durante todos esses (tirando talvez XY, que não teve uma versão definitiva) e ele não dirigiu Sun & Moon.

Além do Shigeru Ohmori, Shigeki Morimoto dirigiu Emerald e HeartGold/SoulSilver, Takeshi Kawachimaru dirigiu Platinum, Takao Unno dirigiu Black 2/White 2 e Kazumasa Iwao dirigu Ultra Sun/Ultra Moon. Claro, durante 4 gerações os primeiros pares da geração foram sim dirigidos por ele. Mas vem comigo que vou te explicar como isso também não quer dizer muita coisa.

Antes, uma curiosidade; Masuda dirigiu Ruby/Sapphire e também ajudou na composição do mapa de Hoenn, região baseada em Kyūshū no Japão, local onde viajava de férias com a família. Foi nessa época da adolescência que aprendeu a tocar trombones e ter gosto por música clássica. Agradeça a ele pelos memes.

Pensando nesse aspecto, vamos lá. Você é dos fãs que gostam de Natures e Abilities? Ou talvez, Hidden Abilities? Talvez os que prefiram que os jogos envolvam os Pokémon Lendários na própria história? Que tal cruzar Pokémon de regiões diferentes para ter mais chances de um Pokémon ShinyGTSPokémon AmieSuper TrainingWonder Trade?

Bom, todas essas features vieram em jogos dirigidos pelo Masuda. Então este é o primeiro ponto, se você alega que o Masuda é cabeça fechada e tá prendendo a franquia, tu tá reclamando de barriga cheia. Jogos dirigidos por ele trouxeram diversas inovações para a franquia. Algumas delas as pessoas gostam, outras às vezes não. E na real, muita gente reclamou mais de coisas alteradas em Sun & Moon, que ele não dirigiu.

Aí talvez você possa argumentar: “Mas o Masuda não criou todas essas features, ele só dirigiu os jogos“. E é exatamente esse o segundo – e principal – ponto, Masuda ou qualquer outra pessoa dirigir esses jogos não quer dizer porra nenhuma. Você, que reclama disso, seu problema não é com o diretor, mas sim com a marca Pokémon. Ela se tornou uma entidade muito maior que a Game Freak, hoje em dia os jogos precisam seguir algumas algumas regras. Acima do diretor existem produtores e produtores executivos, um Conselho que vai decidir o que definitivamente pode ou não pode ter nos jogos, a martelada final. O diretor orienta a sua visão cortando o desnecessário e inserindo elementos que considera importante, mas não define absolutamente tudo.

Ohmori, que dirigiu OR/AS e S/M – e provavelmente vai dirigir a oitava geração – já trabalha em peso na franquia desde Diamond/Pearl também. Ele e uma equipe trouxeram diversas features novas, que junto ao diretor, fazem o negócio funcionar. A equipe pode ter 500 ideias novas, que será filtrada inúmeras vezes para condizer com a marca. Nesse sentido, o diretor tenta projetar a sua visão nos jogos, mas não vai fazer milagre nenhum.

O próprio Masuda disse que introduzir alguns elementos no Let’s Go foi uma tarefa difícil, que retirar as Wild Battles tradicionais foi algo rejeitado à principio, mas como a proposta do jogo era ser uma experiência familiar ao Pokémon GO, as coisas fluíram com o passar do tempo. Você pode concordar, ou não, com essas decisões tomadas no jogo, mas dizer que ELE não tenta coisas novas é querer caçar pelo em ovo.

A tristeza no olhar da criança

Falando ainda no Let’s Go, a entrevista dada pelo Masuda (junto com o Kensaku Nabana, mas lamentavelmente ninguém parece se importar com ele), falavam justamente sobre o processo de inspiração e desenvolvimento dos jogos. Apenas no final, num dos últimos parágrafos, Masuda comenta que assumiu a direção de Let’s Go Pikachu/Eevee por estar envolvido diretamente com o desenvolvimento do Pokémon GO. Só depois ele comenta que essa é provavelmente a última direção de jogos principais que ele encabeça, para que os jogos tenham um novo frescor com novas gerações de desenvolvedores.

E isso é ÓBVIO, por que ele já está fazendo isso há quase 1/4 da existência da franquia. Ele já passou esse bastão já tem um tempo e só agora o pessoal tá percebendo.

Tajiri incrédulo com a fanbase

E no fim das contas, por ser um dos membros fundadores da Game Freak, Masuda faz parte daquele Conselho que citei. Ele continuará dando pitacos na franquia aqui e ali. E isso não é ruim.

Tudo o que escrevi ai em cima mostra que Masuda tem suas convicções, claro, mas é uma pessoa mente aberta para coisas novas na franquia. Durante a quinta geração, aliás, ele – que já tinha um blog onde contava algumas coisinhas ocasionalmente sobre o desenvolvimento dos jogos – ainda criou um Twitter para se aproximar com os fãs. Algo que nenhum outro membro da Game Freak fez, para ter um feedback mais direto com os fãs. E, hoje, é um dos caras mais gente boa para interagir com os fãs da franquia.

Claro, você pode gostar ou não de algumas escolhas nos jogos, assim como eu também acho que há altos e baixos. E eu, em particular, também acho bom que ele saia da direção e dê espaço para que outras pessoas entrem e façam um trabalho legal.

Mas honestamente, eu fico abismado quando alguém faz chacota dos desenvolvedores, diretores ou de jogos antigos. Ou pior, quando uma pessoa não se esforça em nada para entender como funciona o desenvolvimento de um produto de entretenimento e cria, no diretor, um espantalho para poder externar todo o seu desgosto com a franquia.

No fim o que eu acho e o que você, que faz esse tipo de crítica superficial, acha não mudam os fatos e nem todo o legado que o Masuda e toda uma equipe de desenvolvimento inteira fizeram nestes 22 anos de franquia. O mínimo que você deveria ter, como fã da franquia, é respeito por estas pessoas que tornaram a sua infância mais divertida.

Pra resolver isso é simples, é só não sair bostejando por aí. Pensepesquise como a indústria funciona e o histórico da franquia. Reflita levante discussões saudáveis usando argumentos coerentes. É um hábito que, aliás, não vale só pra entretenimento, como Pokémon, mas como pra absolutamente tudo na sua vida. Talvez fazer isso com entretenimento seja o primeiro passo pra que nós nos tornemos pessoas melhores. Por que não?

Nícolas Cares
A.K.A. Tsunami Hisoka. Designer gráfico, Ilustrador, Host do podcast e Trainer wannabe. Iniciou a Casa do Carvalho para falar da franquia que tanto ama. Quando sobra tempo, assiste algumas séries e filmes também. Gosta de paçoca.