Análise: Pokémon Ultra Sun & Ultra Moon

Desde o início da franquia houveram as aclamadas “terceiras versões”. Um conceito que parecia abandonado desde a quinta geração retorna agora na sétima geração. Nesse contexto, a Game Freak nos agracia com não uma, mas duas “terceiras versões”: Pokémon Ultra Sun e Pokémon Ultra Moon.

Conceito geral e Adições

Antes de analisar o jogo em si, é necessário recapitular o conceito de uma terceira versão em Pokémon. Mesmo que não seja um nome oficial, o objetivo de uma terceira versão é reaproveitar um par de jogos já estabelecidos. Sua intenção é adaptar a história para gerar um novo conteúdo, adicionar algumas features no jogo,, retirar ou adicionar alguns Pokémon, etc. A partir da quinta geração, em Black2/White2, alguns fãs gringos passaram até a se referir como versão superior, a um ou mais jogos que seguissem ou ampliassem este padrão.

Como uma mescla entre versão superior e terceira versão, o novo par de jogos entrega até mais do que o esperado. O plot em si pouco se alterna na maioria do jogo, mas a construção de personagens a partir de certo ponto da história vão para um caminho bem diferente dos originais e quase deixam a história do jogo com um doce sabor de uma Malasada recém saída do forno.

Uma das novidades é o excelente Mantine Surf. A mecânica é gostosa e divertida, além de responder à minha crítica sobre não podermos surfar entre as ilhas de Alola. Infelizmente, pela baixa utilização na história, a feature acaba um pouco ofuscada por outras, já que somente a viagem entre Melemele e Akala é obrigatória.

Tendo em vista que viajar de Charizard Glide é muito mais prático, alternar a ordem de alguns eventos seria possível para oferecer a opção entre viajar de barco e viajar de Mantine. Um ponto positivíssimo, no entanto, é receber BPs com a pontuação das manobras, criando um método alternativo para farmar estes pontos e usar com Move Tutors e afins. O competitivo agradece.

No lado estético temos o Alola Photo Club. Mesmo sendo extremamente opcional,  é uma função divertida que eu utilizei bem mais do que esperava. Definir poses e personalizar as fotos com nossos Pokémon é divertido, mesmo que algumas opções de ângulo sejam bem limitadas pelo pouco espaço disponível. Ocasionalmente o Rotom sugere tirar fotos quando os nossos Pokémon evoluem e isso, bem ou mal, ajuda na imersão. Lembra um pouco o conceito de fotos que havia em HeartGold e SoulSilver com algumas similaridades com os Contests de Sinnoh Confirmed.

Outra adição curiosa e interessante é a relevância da Rotom Dex durante a jornada. Ele está mais carente de atenção? Bem, sim, para jogadores novos isso é bom. Para aqueles já acostumados com o jogo, o dispositivo dá as dicas de jornada mesmo que nós já sigamos essas dicas desde o início da jornada. Rotom, pela vigésima terceira vez, eu sei que dá para registrar os Rides no D-Pad. Eu SÓ USO ELES ASSIM!

Mas ele tem seu lado bom, a Roto-Loto se mostra uma excelente adição que entra no lugar dos O-Powers, num formato mais balanceado do que na sexta geração. Claro, a frequência de uso  varia de acordo com o perfil do jogador, mas receber 2 boost items por vez é interessante para incentivar o gerenciamento deles, já que os itens normais perderem esse peso. Hoje em dia é muito fácil ganhar dinheiro in-game e com a bolsa do Gato Félix, de armazenamento infinito. E falando em substituição, no lugar das Zygarde Cells temos os Totem Stickers, mostrando como a mesma ideia pode ser muito mais divertida e interessante se usada do jeito certo..

Já no arco final do jogo temos a adição do Ultra Warp Ride, outra feature que é divertida e encaixa com os caminhos da história. Utilizar o Solgaleo/Lunala para viajar entre realidades diferentes é uma excelente desculpa para capturar os vários Pokémon Lendários no jogo, provavelmente a melhor até agora dada a quantidade de lendários disponíveis, sem contar as Ultra Beasts.

Jogatina, Main Plot e Post-Game

O TEXTO A SEGUIR OBVIAMENTE CONTÉM SPOILERS DA HISTÓRIA.
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Sabemos que os jogos de Pokémon sempre foram… relativamente lineares para o gênero RPG. Isso torna os jogos da franquia um pouco curtos comparados a outros grandes títulos do gênero, como Final Fantasy. Felizmente, para adicionar mais imersão e para sanar o simples “vá do ponto A ao ponto B” temos diversas side-quests simples ao redor das cidades. Um esboço disso foi visto em Sun e Moon, mas essa ampliada de escopo foi um dos maiores pontos altos dos jogos. O único triste é que não existe nenhum tipo de identificação visual nos personagens que podem oferecer side-quests, nem uma lista com as que já estão em andamento. Um desperdício da bendita Rotom Dex, que já tem um mapa mostrando o objetivo principal.

Ainda sobre história, sabemos também que as de Pokémon raramente possuem alguma complexidade narrativa, salvo por Black/White e alguns poucos momentos de Diamond/Pearl e X/Y. Um dos méritos das versões originais é o arco da Lusamine, seu relacionamento materno quebrado pela ausência do marido e somado à influência das Ultra Beasts e toda a loucura que vinha à tona. Era isso o que fazia a história rodar. Porém, no final das novas versões, não temos uma Lusamine louca, apenas uma vingativa. Boa parte da maturidade da história original é deixado de lado e isso é um ponto baixo.

E como temos menos ênfase no arco da Lusamine, temos também menos ênfase na história da Lillie. O vínculo entre ela e o Nebby não precisa ser muito desenvolvido neste jogo, já que ele não é a engrenagem principal da história. Como não há despedida entre o Lendário e a Lillie, um corte no melodrama que já não tinha muito impacto em Sun e Moon é bem-vindo. Contudo, o baixo desenvolvimento da Lillie impacta também o relacionamento dela com o(a) jogador(a) e com o Hau. Isso deixa, no geral, o jogo menos emotivo.

Nestes aspectos, Ultra Sun e Ultra Moon são comparáveis a Black 2 e White 2. Seus predecessores trouxeram um tema mais maduro, com alguns questionamentos de sanidade mental e moral, enquanto as sequências dos jogos trouxeram uma versão menos complexa e, digamos, mais “vamos nessa, yay!

Mas isso não é ruim. Viajar para uma cidade em outra dimensão para derrotar o Necrozma é um ponto interessante, pois é estabelecido que ele é daquela dimensão. De lá também vem o Ultra Recon Squad. Por mais que sejam engraçados, tentando reproduzir o gesto de Alola com as mãos, eles não possuem tanta profundidade e muitas vezes ficam em segundo plano. Assim, a função deles é ajudar a conduzir a história até a batalha com o lendário. Felizmente, o Ultra Necrozma foi um dos Pokémon mais fortes que eu enfrentei nas últimas gerações. Dá gosto batalhar contra bicho assim.

Se tivemos personagens com menor desenvolvimento, o mesmo não vale para o Hau. Diferente de Sun e Moon, onde mesmo depois dos eventos da Aether ele continua sendo só um cara deboísta, de bem com a vida, nesta realidade temos um Hau que amadurece no final de sua jornada e encontra a faísca para que ele pudesse ser considerado um rival à altura dos outros da franquia. O material promocional dos jogos engana, fazendo a gente pensar que isso aconteceria mais cedo durante o jogo, mas ele acontece. Aqui a Game Freak acertou naquilo que não conseguiu alcançar completamente, em OR/AS, com o Wally.

Outros personagens que poderiam ser mais explorados continuam no zero-a-zero. Kukui tem um downgrade de background, já que boa parte dos diálogos do início do jogo são cortados para agilizar o segmento inicial. Guzma continua sendo um pau-mandado da Lusamine e Plumeria continua não fazendo nada de relevante. Os Trial Captains e Kahunas também não tem nenhuma outra grande exploração de personalidades, etc. Felizmente, há alterações interessantes nos Trials e a adição do Trial da Mina, que em particular me lembrou vagamente o lance de Gym Matches, ir coletando as pétalas para lutar com ela. Gostei disso e da adição da Victory Road, embora não tenha esse nome no jogo (talvez por que Lanakila em havaiano signifique vitória). É um último desafio legal antes da Liga que fez falta em Sun e Moon.

Quanto ao Post-game, o arco de história do Looker dá lugar ao Episode RR. Pode ser descrito como um complemento da história (aos moldes do Delta Episode) que confirma o multiverso dentro da franquia. O desenrolar do arco mostra também que a Game Freak não pretende explorar o multiverso como elemento profundo de história tão cedo.

Embora seja apenas uma desculpa para unir uma galera, a ideia de trazer cada líder de equipes vilãs das dimensões onde conseguiram realizar seus planos é excelente, ainda mais quando há o toque curioso de utilizar o Maxie e Archie de Ruby/Sapphire, ao invés de Omega Ruby e Alpha Sapphire que já tinham modelos 3D criados para a engine. É esse tipo de atenção a detalhes que os fãs gostam. Uma pena, no entanto, não utilizarem o Red e o Green nesse arco como personagens participantes. Ouso dizer que esse foi o maior desperdício de fanservice na franquia até hoje.

Ainda assim, é legal rever os líderes, reouvir músicas de batalha e até mesmo ver o Giovanni ir embora novamente – sem se dar por vencido. Se o Delta Episode foi bom, o Episode RR não fica para trás. Torço muito para que este formato episódico de post-game seja uma constante na franquia.

Conclusão

Beira o impossível não traçar paralelos com Sun e Moon, principalmente pela curta janela de tempo entre os lançamentos. Este provavelmente é o maior problema da geração, mas é injusto criticar os novos jogos por conta disso, afinal minha intenção aqui é falar do jogo por si só. Mas isso não quer dizer que um artigo sobre os problemas dessa geração não esteja em produção.

Como superior versions de Alola, Pokémon Ultra Sun e Pokémon Ultra Moon cumprem o seu papel com maestria. Todas as implementações aumentam a imersão na jornada – até mais do que algumas de Sun e Moon, como o Festival Plaza, por exemplo. Mesmo trazendo consigo todos os problemas dos originais, trazem de volta todas as qualidades e ainda as amplificam. Por isso são muito mais completos do que seus antecessores.

Chola mais

No entanto, isso faz com que o maior clímax do jogo não seja tão bem aproveitado pelo jogador em si, que é a despedida da Lillie com o Nebby, já transformado em Solgaleo/Lunala. A dor da perda ser dela faz com que a cena possa parecer forçada para alguns, ou no mínimo não tão sentida quanto poderia. Nesse sentido, a viagem da Lillie para Kanto no fim do jogo tem mais impacto, já que nós tivemos mais contato com ela do que com o Nebby. Embora não seja um demérito, o jogo poderia ter tratado com mais cuidado a relação do jogador com o Nebby também, para a cena da despedida ter mais impacto.

O enredo sofre defasagens com o objetivo de deixar o progresso da história mais ágil, enquanto side-quests opcionais existem para aqueles que querem experienciar mais da região. Se por um lado pode amargar a história da sua versão original, isso também torna o novo par de jogos da franquia um prato cheio para iniciantes.

Nícolas Cares
A.K.A. Tsunami Hisoka. Designer gráfico, Ilustrador, Host do podcast e Trainer wannabe. Iniciou a Casa do Carvalho para falar da franquia que tanto ama. Quando sobra tempo, assiste algumas séries e filmes também. Gosta de paçoca.