Que Pokémon é uma franquia que se reinventa, todo mundo sabe. Assim como a maioria dos jogos publicados pela Nintendo, a franquia mantêm os mesmos alicerces ao decorrer dos jogos e otimizam o gameplay, a fim de melhorar e inovar na experiência do jogador. No entanto, há uma barreira complexa que Pokémon precisa enfrentar, que é ser um jogo de RPG.
Em seu vigésimo aniversário, a franquia nos apresentou a sua próxima promessa: Alola. Conseguiria a nova geração de monstrinhos de bolso acompanhar as duas décadas de história e reinventar novamente a franquia?


Alicerces
Pokémon Sun e Pokémon Moon, lançados em 18 de novembro para o Nintendo 3DS (23 de novembro na Europa), abrem a sétima geração nos apresentando o arquipélago tropical de Alola. Nós jogadores, nos mudando da região de Kanto – um excelente paralelo, visto que o último jogo lançado foi Pokémon Red/Green/Blue/Yellow, no Virtual Console do 3DS (e ainda faz uma rima com Ruby/Sapphire/Emerald, onde o protagonista vem de Johto) – somos apresentados ao bom e velho gameplay: escolhemos nosso inicial no maior estilo Jo-Ken-Po, Pokémon selvagens são encontrados na grama alta, enfraquecer para capturar, elevar os Níveis do Pokémon para evoluir e ficar mais forte, habilidades, naturezas, tudo o que fez a franquia se tornar o que ela sempre foi.
Porém, é no quesito ambientação que o jogo salta aos olhos. O novo conceito gráfico apresentado pela Game Freak, infinitamente mais trabalhado em comparação à geração anterior (X/Y/OR/AS), é um deleite visual para qualquer um. Não é raro, em momentos do jogo, parar para ver o quão lindas as ilhas de Alola estão e como seria incrível estar lá para vivenciar tudo aquilo. A única coisa que realmente deixa a desejar é a câmera, que num mundo completamente 3D daquele jeito, com foco tão grande nos cenários, a liberdade da câmera seria uma adição ideal para conseguir ver todas as belezas que a região nos proporcionaria.
Falando em números, mesmo sendo uma região enorme, Alola conta com um total de apenas 9 cidades e 17 rotas, sendo tecnicamente a menor região dos jogos, comparado a Kanto com 10 cidades e 25 rotas, Johto com 10 cidades e 20 rotas, Hoenn com 15 cidades e 34 rotas, Sinnoh com 14 cidades e 30 rotas, Unova com 12 cidades (14 em B2/W2) e 18 rotas (23 em B2/W2) e, por fim, Kalos com 16 cidades e 22 rotas. Em contrapartida, Alola é a região com mais landscapes diversos para diversificar em nossa jornada – e esse é um ponto importantíssimo que vou explanar mais ao final da análise.

Toda a composição do mapa, terrenos, cidades e ambientações são um show à parte. É possível sentir que cada cidade possui personalidade, com um nível de detalhes jamais visto até hoje em Pokémon, somado à trilha sonora do overworld que, além de ajudar na imersão da região tropical havaiana, é gostosa e fácil de se decorar a melodia. Com poucas horas de jogo já é possível cantarolar as musicas junto, mesmo conhecendo pouco delas. É um mérito considerável.
Infelizmente, o que é algo positivo acaba trazendo um viés negativo, talvez até por incapacidade de espaço, memória ou processamento, pois o jogo por vezes acaba decepcionando com muitos locais não-exploráveis, principalmente nas próprias cidades. O tanto gigante que é acaba parando na página 3 ou 4. Outro ponto negativo é que, mesmo em toda a região de Alola, não há o retorno do nosso amado Dive, seja por Field Move ou por Poké Ride. Uma pena, pois é algo que todos esperávamos de uma ilha tropical.
Mas mesmo em batalhas é possível ver a diversidade de cenários. É uma das coisas mais espantosas do jogo, ver que quase todo lugar possui um cenário de batalha diferente. Isso, além da participação dos treinadores durante as batalhas, ajuda muito na imersão do jogo.
Já a nova mecânica implementada a fim de dar mobilidade para a região é o Poké Ride, que veio para substituir o uso das Hidden Machines. É notável que ele foi inserido para contornar uma limitação técnica de aplicar os HMs no novo motor gráfico, mas ela traz a possibilidade de variação maior dos times, já que o jogador não é mais obrigado a ter um Pokémon voador para usar Fly, ou um Pokémon aquático para usar Surf, por exemplo. Isso certamente ajuda no decorrer do jogo.
O como o jogador utiliza o Poké Ride fica meio mal explicado, ou como a roupa com capacete aparece no jogador do nada, mas em um universo onde baleias de 14 metros são condensadas em esferas de 10cm, isso se torna algo aceitável. O interessante dessa mecânica é que, mesmo sendo uma bela gambiarra, acaba bem aplicada no contexto do jogo, principalmente com NPCs citando que em outras regiões o uso de Fly é permitido, mas em Alola existem leis que proíbem isso, por exemplo. É uma boa amarra.
Ainda assim, existem momentos que parecem forçados para você usar alguns Poké Rides, como algumas travessias de Tauros e Mudsdale. Quero dizer, quando recebemos é até divertidinho experimentar, mas em momentos posteriores, não existe uma real necessidade de criar um desafio curto de travessia se nós sempre estaremos com a opção de atravessá-lo.
No começo do jogo se torna algo importante, pois cria o fator replay de determinados pontos do mapa, onde você não tem acesso a princípio e depois retorna para pegar algum item novo, mas em momentos avançados do jogo se torna banal e desnecessário, apenas para fazer aquilo funcionar novamente. Diferente do Stoutland, que além de ser naturalmente mais veloz, também tem a utilização do Itemfinder/Dowsing Machine. Ou do Sharpedo, que é a versão do Surf bem mais rápido, mas que não pode usar a Fishing Rod, como o Lapras permite.
Falando em Fishing Rod, essa é a coisa mais perturbadora do jogo. Honestamente, mesmo depois de 50 horas de jogo, é impossível compreender por que reduziram os pontos de pesca para apenas algumas pedras espalhadas pelas áreas aquáticas. Tanto a pouca utilização da Fishing Rod quanto a ausência da Bicicleta no jogo são certamente pontos negativos para os jogos, embora não atrapalhem o gameplay.
Por outro lado, o Poké Pelago é uma adição genial ao jogo. Ganhamos acesso a ela após a possibilidade de usar o Charizard Glide (Fly) e lá é possível criar ilhas para aqueles que antes eram completamente deixados de lado, os Pokémon armazenados nos PC Boxes, poderem armar altas peripécias. Na primeira ilha é possível ganhar Poké Beans, que são usáveis também no Pokémon Refresh – o substituto Aloliano do Poké Amie -, para tornar os nossos Pokémon mais próximos da gente, além de poder até ganhar alguns Pokémon que estão de passagem e se encantaram pelo lugar.
As demais ilhas podem cultivar berries, receber itens (pedras evolutivas inclusas), aumentar o Lv. e EVs dos Pokémon e a última possibilita até aumentar o nivel de Friendship. Excelentes maneiras não obrigatórias de economizar tempo, caso você esteja apenas completando a Dex, por exemplo, ou não tenha tanto tempo para jogar no dia-a-dia.

Falando nela, a Rotom Pokédex, por sua vez, também é uma excelente adição. Além do mapa hiper útil na tela inferior, todo o novo processo de captura é consideravelmente intrigante. As páginas da Pokédex possuem os Pokémon relacionados a ele, como linhas evolutivas, por exemplo (similar a FireRed/LeafGreen). Após a captura de um novo Pokémon, ele aparece registrado em cores vivas junto a um “REGISTERED” bem colorido estampado. E ao completar uma “página” dessa linha, ele gera um efeito no fundo e parabeniza o jogador pela sua conquista. É um jeito eficiente de encorajar o jogador a completar a PokéDex, dando uma real e prazerosa sensação de progresso, um tanto quanto absente nos jogos anteriores da franquia, essencial para uma boa progressão no jogo.
Sem contar no Poké Finder, a mecânica de tirar fotos com a Rotom Dex – a maior chupinhada de Pokémon Snap da história. Excelente adição de um mini-game que ajuda também na imersão. Uma pena que existem poucos spots para se tirar fotos.
Já os Z-Moves são adições interessantes, mas não fazem uma diferença tão gritante no jogo. Assim como o Poké Ride, possuem uma boa explicação de imersão, já que as danças estão tecnicamente ligadas ao conceito havaiano de dança e conexão com os Pokémon, mas na prática, usar ou deixar de lado não muda muita coisa, ainda que em algumas batalhas no jogo até é importante para dar uma ajudada. Uma boa utilização para eles é no mesmo sentido da Dex de progresso, já que obter os Z-Crystals é uma excelente maneira de mensurar a longevidade do jogo.
Desafios, personagens e história
Com a queda do sistema de ginásios da Pokémon League, foi aberto o espaço para o sistema de Trials, que compõe o Island Challenge. Uma boa apimentada na relação que combina muito com a proposta de Alola, mas que pela pouca diversidade e possibilidades de gameplay se torna um desafio relativamente fácil para jogadores mais velhos, salvo pelas batalhas com os Kahunas no fim de cada ilha. É inegável, no entanto, que o Island Challenge ajuda a tornar Pokémon Sun e Pokémon Moon bem mais parecido com um RPG por causa dessas missões.

Ainda assim, é uma pena que as batalhas contra os Trial Capitains não sejam parte do modo principal da história, mas incrível ver o trabalho de background que eles tem desenvolvido para os personagens. Alguns mais, outros menos, mas acaba dando a impressão de naturalidade e que até são pessoas de verdade. Já os Kahunas são um show à parte, cada um com uma personalidade forte e uma boa participação na história, são peças indispensáveis para o jogo.
Se a Lillie possui um grande destaque de história por ser a protagonista, outros personagens considerados secundários tem tanto destaque quanto os principais, como no caso do background do Professor Kukui – dele ter feito uma jornada em Kanto, passando pelos ginásios – que amarra no final do jogo, com a formação da Pokémon League de Alola. A liga em si é uma boa conexão com o resto da franquia e foi interessante ver que não escolheram os 4 Kahunas para membros da Elite Four. E o desafio em si consegue ser bem emblemático, com a batalha final com o Kukui, usando a forma final do Pokémon inicial que sobrou. Lembra bastante aquele lance dos dados de Red/Green/Blue, do Professor Oak ter o último inicial e ser uma batalha final.
Sem considerar que em Alola somos os primeiros Champions. É muito interessante notar que nos desafios seguintes, nós devemos batalhar para defender o título de Campeão contra algum treinador. Muitos deles são caras já recorrentes, como Gladion ou Hau, outros novos, como o treinador de dragões Ryuki, ou mesmo Trial Capitains e Kahunas, como o Sophocles e a Hapu. Torna tudo uma experiência nova e única até então na franquia.
…Mas calma lá, o que foi você disse aí em cima? Lillie protagonista?
Sun e Moon trazem algo clichê, quando se trata de Havaí, mas como já aprendemos em Lilo e Stitch, a história é sobre família.
Logo de início no jogo, diferente do que é comum na franquia, não temos o nosso personagem surgindo pra jogar, mas sim a Lillie fugindo da Aether Foundation com o Nebby. A cutscene inicial diz muito do que iriamos vivenciar em Alola.
Considerando ainda que no decorrer do jogo conhecemos melhor a história da Aether Foundation, descobrimos que Mohn – o pai de Lillie e Gladion – descobriu a existência das Ultra Wormholes e as Ultra Beasts, que até então eram apenas lendas.
Tentando abrir um portal para lá, usando a energia do Cosmog, acabou sumindo do mapa. Isso criou em Lusamine, esposa de Mohn e mãe das crianças, uma obsessão pelas Ultra Beasts que faz o desenrolar de toda a história. Essa obsessão, aliás, deixa uma indicação de que o design da Lillie no começo do jogo poderia ser um jeito de ficar mais parecida com a Nihilego, a fim de ser aceita pela própria mãe. Assim, a troca de visual da menina no climax da história se torna bem mais emblemática do que uma simples troca de roupa – é uma evolução da personagem a partir da “morte” de um conceito e do seu renascimento. Isso é, basicamente, parte do processo de uma Jornada do Herói.
Até mesmo o Hau diz, durante a treta toda na Aether Foundation, que é um negócio de família, ou seja, nós somos coadjuvantes da história. Heróis, mas coadjuvantes. Pensando no conceito geral, o próprio Professor Kukui tem uma relação familiar, sendo casado com a Professor Burnet (a professora do Pokémon Dream Radar), o Guzma e a Team Skull – que sendo uma gangue, tem todo aquele lance de irmandade -, os dilemas internos secundários do Hau e do Hala, por serem família, etc. A própria Lillie encontra no Nebby, no jogador e no Hau uma família, como a foto de encerramento do jogo nos mostra. Certamente jogar uma segunda vez com isso em mente deve trazer uma nova ótica sobre o jogo.
Se compararmos, Kalos e Unova possuem dilemas e questões éticas bem em primeiro plano, que tornam o plot mais denso. Alola, sendo uma região mais alegre, a princípio parece ter uma história e dilemas menos impactantes, mas sua densidade fica numa segunda camada que casa com a narrativa. Nesse aspecto, o diretor Shigeru Ohmori faz um trabalho bem feito e traz um novo ar para a franquia.
É difícil saber se Sun e Moon terão uma continuação, como Black2 e White2, ou se ficarão por aí, como X e Y. Existem várias brechas soltas que poderiam ser melhor explicadas, mas por outro lado a história se fecha bem do jeito que foi encerrada.
Conste que o Mohn, que causou a treta toda, é aquele tiozão do Poké Pelago. Como ele foi parar lá, se de propósito ou se perdeu a memória, não sabemos, mas sabemos que aquela ilha pequenina, construída a base de feijões coloridos, madeira e muito suor fazem tudo e muito mais que a Aether Foundation prometia fazer pelas mãos da Lusamine – cuidar de todos os Pokémon, novamente, como uma grande família.
Conclusão

Pokémon Sun e Pokémon Moon mostram que a Game Freak entendeu algo bem difícil de se aceitar – na sexta geração a franquia chegou num nível não consegue mais evoluir muito seu gameplay padrão, um degrau necessário para chegarmos onde estamos. Natures, Abilities, é provável que não tenhamos tanto mais desse tipo de evolução gigante a futuro. O caminho que a franquia tem para se reinventar é investir em elaborar o seu universo, na grandiosidade da ambientação do jogo e em toda a experiência que uma jornada Pokémon pode oferecer ao jogador. E, nisso, Alola é uma obra de arte.

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